Caríssima(o)s amiga(o)s,
Nesta altura, além dos afazeres da quadra, ainda preciso entrelaçar as tarefas estudantis com as profissionais, fico com as mãos cheias e pouco disponíveis para teclar novos textos, por isso, decidi aproveitar a generosidade do Eduardo Leal e vou partilhar aqui um texto que ele preparou para esta quadra que usarei em jeito de postal de Natal.
A todos, do meu coração, votos de um Natal cheio de sentido!!
Nem aqui, nem agora. Vã promessa
Doutro calor e nova descoberta
Se desfaz sob a hora que anoitece.
Brilham lumes no céu? Sempre brilharam.
Dessa velha ilusão desenganemos:
É dia de Natal. Nada acontece
José Saramago, Os Poemas possíveis
A luz, aquela imensa luz que nos ofusca e extasia… as cores dos néones que piscam e nos atraem como se tivessem o cheiro da felicidade, extingue-se agora de forma súbita e cruel.
E o mundo, que parecia um carrossel mágico e colorido, o final eterno e repetido dos contos de fadas dos nossos sonhos de criança – felizes para sempre – passado que é, agora, o momento doloroso dos nossos olhos, quase cegos, em explosões de branco imaculado, revoltados, a habituarem-se à escuridão… perdeu a cor.
Os contornos das coisas vão-se diluindo e o que antes parecia tão claro, tão evidente, tão fácil de ver, é, neste momento, somente a sombra do que era.
Os pessimistas caem na depressão final, os realistas angustiam-se e os otimistas, confundidos pela evidência da catástrofe, tardam em abrir os olhos, na recusa infantil da mais pura negação da realidade.
E é agora, sobretudo agora, que importa descobrir o Espírito do Natal.
Não aquele espírito de quem tem tudo e ainda assim deseja o mundo inteiro. O frenesim do “ao menos uma vez no ano”, oferecendo brinquedos a granel e inutilidades absolutas de proveniência duvidosa e triste, apenas porque é da fé das gentes acreditar que a felicidade se compra e se mantém nos objetos.
Como poderíamos encontrar o Espírito de Natal, assim encandeados e tontos?
Como poderíamos distinguir o essencial do acessório neste empanturramento generalizado?
É certo que, mesmo nesta sociedade de consumo tão próxima da perfeição e agora tão periclitante, sempre sobraram os excluídos para recordar ao mundo a linha fina que nos separa do abismo. Para nos lembrar, antes do fim da vida, que nada é absolutamente seguro.
Sempre houve sem-abrigo. Gente fora do sistema pelas mais variadas razões. Archotes para a memória coletiva que, por causa do brilho das luzes, apenas chamuscavam as nossas consciências. Provavelmente um pouco mais expostas naquela noite do ano, nesse Natal em que nada acontecia.
Mas hoje, que as luzes se apagam e as estrelas nos recordam que sempre estiveram lá, no firmamento, a mais pequena chama pode fazer a diferença. Essa pequena chama que cada um pode acender dentro de si.
Essa luz tão ténue, tão débil, mas que é a única que pode trazer conforto em certas noites de escuridão.
Porque, ao contrário das fogueiras do desespero coletivo, esta chama não consome, antes alimenta a consciência de cada um que a acolhe.
E é por isso que é em tempos como os de hoje que mais importa redescobrir o Espírito de Natal.
Precisamos de repensar rituais e reencontrar os sentidos.
E porque é importante oferecer aos outros o que os outros realmente precisam, é urgente reafirmar a nossa Humanidade.
O Espírito de Natal pode estar presente nos mais pequenos gestos. Num sorriso, num abraço, numa mão que se agarra, num convite para a nossa mesa… na partilha.
O Espírito de Natal não está à venda. Não se encontra nos mercados, não se transaciona nas bolsas e o único juro que rende é o Amor.
Não pode estar à venda… sobretudo agora… que tudo acontece.
Eduardo Leal
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